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Artigo

Indisponibilidade de bens e solidariedade: o Tema 1.213/STJ em relação ao ressarcimento

SILVANO JOSÉ GOMES FLUMIGNAN
Procurador do Estado de Pernambuco

FREDERICO AUGUSTO LEOPOLDINO KOEHLER
Juiz Federal

 

 

Uma das principais mudanças da Lei de Improbidade foi a disciplina da indisponibilidade de bens.

Sobre essa matéria, o STJ promete enfrentar, no Tema 1.213/STJ, um dos assuntos mais polêmicos e espinhosos: se a constrição dos bens dos réus deve ser total ou proporcional à participação dos envolvidos.

No presente artigo, debateremos apenas a questão do ressarcimento ao erário. Uma leitura rápida da Lei 8.429/1992 poderia indicar a impossibilidade de se estabelecer a indisponibilidade total para todos os réus quando da presença de mais de um sujeito passivo em uma ação de improbidade.

A redação atual da LIA informa que o objetivo da lei de improbidade é a apuração e sancionamento de condutas individuais e restringe a decretação de indisponibilidade apenas ao montante equivalente ao ressarcimento do dano ao erário ou do enriquecimento sem causa indicados na inicial.

No artigo 16, o dispositivo que busca disciplinar especificamente a indisponibilidade, existe a previsão de que o resultado do somatório de indisponibilidades em relação a todos os réus não pode superar o montante requerido na inicial (§5º) e que a indisponibilidade em relação a terceiros deve levar em conta a real participação desse terceiro para a ocorrência do ilícito.

Talvez o dispositivo de maior impacto sobre a matéria seja o a artigo 17-C, §2º, da LIA, que prevê a vedação à solidariedade quando da condenação em ação de improbidade.

Contudo, a conclusão pela impossibilidade de decretação total da indisponibilidade em relação a todos os réus em ação de improbidade parece ser precipitada e será objeto de análise quando do julgamento do Tema 1.213/STJ.

O repetitivo debaterá justamente se a constrição dos bens poderá ser total ou deverá ser proporcional em relação aos réus.

A controvérsia que foi submetida à análise pela 1ª Seção do STJ foi se “A responsabilidade de agentes ímprobos é solidária e permite a constrição patrimonial em sua totalidade, sem necessidade de divisão pro rata, ao menos até a instrução final da ação de improbidade, quando ocorrerá a delimitação da quota de cada agente pelo ressarcimento”.

Quando da proposta de afetação, o ministro relator Herman Benjamin ressaltou que o Tema 1.199/STF não abordou a questão e que, devido a isso, seria possível e conveniente a apreciação da questão pelo STJ.

De fato, o tema não foi enfrentado pelo STF no Tema 1.199/RG; e nem deveria, por não ter a matéria assento constitucional. A redação da controvérsia pelo STJ, no entanto, pode levar a equívocos.

O início do texto foi redigido da seguinte forma: “a responsabilidade de agentes ímprobos é solidária”. Pela simples leitura, chegaríamos à conclusão de aparente contrariedade em relação ao tema e o supramencionado artigo 17-C, §2º, da LIA.

A restrição do artigo 17-C, §2º, da LIA, no entanto, somente existe para a condenação. Ela não abarca as decisões em tutela provisória em que a cognição ainda não foi exauriente.

Ademais, é preciso ressaltar que, na atual lei, a indisponibilidade somente pode ser decretada em relação ao valor apontado como ressarcimento do dano ao erário e do enriquecimento sem causa.

O ressarcimento não é uma sanção pelo cometimento de improbidade, e nem foi assim considerado pela lei. O ressarcimento visa à restauração ao estado anterior à ocorrência do ilícito. As sanções da LIA, por sua vez, visam a punir o agente ímprobo e, em consequência, evitar novas ocorrências de ilícitos.

Felizmente, o artigo 12 da LIA, na redação atual, deixa clara essa conclusão ao afirmar que o ressarcimento é independente do regime sancionatório. Logo, o regime jurídico do ressarcimento deve seguir o padrão da legislação civil e não das sanções de improbidade administrativa.

E, na legislação civil, existe a previsão de solidariedade em caso de concorrência para o ilícito de dano. O artigo 942 do CC estabelece que todos os que concorrem para a ocorrência do ilícito, independentemente da participação, respondem solidariamente pelo prejuízo causado [1].

Assim, a conclusão de que a vedação à solidariedade da LIA impediria a decretação da indisponibilidade de bens em caráter total é equivocada, pois nem mesmo quando da condenação será esse o padrão a ser seguido.

O regime sancionatório da LIA deve ser aplicado apenas para as sanções. O regime do ressarcimento do erário não é o da Lei 8.429/1992, mas o do Código Civil.

Caso essa conclusão não seja tomada, chegar-se-ia ao absurdo entendimento de que, ao se buscar o ressarcimento por ação própria de indenização, haveria solidariedade por força do artigo 942 do CC, e, ao se buscar o mesmo ressarcimento em ação de improbidade, haveria impossibilidade de decretação da solidariedade. Tal conclusão seria inadequada elevaria a uma inversão de valores, em que o direito processual determinaria o regime de direito material, o que não pode ser admitido.

Cabe ressaltar ainda que, em nenhum momento, o artigo 16 da LIA impede a decretação total da indisponibilidade. Existe apenas a previsão de que o somatório das indisponibilidades não pode ultrapassar o valor a ser ressarcido. A previsão legal do § 5º no ponto é pertinente, pois, de fato, não seria razoável que a soma dos valores bloqueados superasse o montante indicado na petição inicial como dano ao erário ou como enriquecimento ilícito.

Um exemplo hipotético ilustra melhor a posição ora defendida. Em uma petição inicial que aponte dano ao erário de R$ 1 milhão entre quatro litisconsortes passivos, a indisponibilidade poderia ser minutada no Sisbajud com R$ 1 milhão para cada um dos litisconsortes, em virtude da solidariedade no ressarcimento. É natural que seja assim, inclusive, pois, na maioria dos casos, é difícil delimitar com exatidão qual o montante de prejuízo atribuível a cada réu. Essa dificuldade fica patente nos casos em que há uma cadeia de comando com atuação organizada de vários agentes ímprobos em prol de um objetivo ilícito comum a todos. O montante efetivamente bloqueado dependerá de quanto estiver disponível nas contas bancárias de cada réu.

Caso a soma das indisponibilidades supere R$ 1 milhão, o excesso deverá ser imediatamente liberado. Se, por outro lado, um dos réus seja bloqueado em R$ 1 milhão e os demais não tenham dinheiro em conta, a indisponibilidade desse réu pelo valor global deverá ser mantida, como dito, em razão da aplicação da solidariedade prevista no artigo 942 do Código Civil. Em resumo, quando do julgamento do tema 1.213/STJ, espera-se que o STJ aproveite a oportunidade para esclarecer que o ressarcimento de dano ao erário não é uma sanção de improbidade e deve seguir o regime jurídico do ilícito de dano do Código Civil, que permite a condenação solidária e, por via de consequência, a decretação total de indisponibilidade de bens aos réus de uma ação de improbidade administrativa. Até porque se é admitida a solidariedade no momento da responsabilização final por sentença, com mais razão deverá ser admitida no momento da indisponibilidade; caso contrário, a lei, com uma mão, imporia o regime da solidariedade no ressarcimento e, com outra mão, negaria a ferramenta processual necessária para a obtenção do resultado desejado.


[1] Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.


Artigo publicado originalmente no site Conjur, no dia 19 de janeiro de 2024.

 


Em: 6 de fevereiro de 2024

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